
Saiba um pouco mais sobre a regulamentação prática e os direitos trabalhistas dos aeronautas, previstos na Lei n. 13.475/2017, conhecida Lei do Aeronauta, normatizada pelo RBAC 117 e cuja exigibilidade passou a valer a partir de 02/2020.
Todo trabalhador dever ter conhecimento das leis que regem sua profissão, em especial o aeronauta cujas atribuições e jornada de trabalho são muito distintas das demais profissões.
O objetivo do presente texto, redigido em linguagem simples, acessível e de fácil interpretação, é esclarecer e levar conhecimento sobre os principais aspectos trabalhistas destes profissionais no setor privado, não tendo assim qualquer cunho científico ou foco para a comunidade jurídica.
Afinal, quem é o aeronauta?
A Lei define como aeronautas todos os tripulantes de voo: pilotos, comissários de voo e mecânicos de voo, detentores de licença e certificados emitidos pela autoridade de aviação civil brasileira, incluindo tripulação que exerça suas funções a bordo de aeronave estrangeira, mas cujo contrato de trabalho tenha sido celebrado no Brasil.
Qual a jornada de trabalho do aeronauta?
O tipo de tripulação influencia na limitação da jornada, devendo conhecer primeiro os seus conceitos trazidos pela lei.
Segundo a lei, a tripulação poderá ser mínima, simples, composta ou de revezamento.
Tripulação mínima é aquela determinada na forma de certificação do tipo de aeronave, homologada pela autoridade da aviação civil. Pode ser permitida em voos locais de instrução, de experiência, vistoria e de translado.
A tripulação simples é aquela constituída de uma tripulação mínima acrescida dos tripulantes necessários à realização do voo.
Tripulação composta é aquela constituída de tripulação simples mais o comandante, o mecânico de voo e 25% (vinte e cinco) do número de comissários de voo.
Por fim, a tripulação de revezamento é aquela constituída de uma tripulação simples acrescida de um comandante, de um piloto, de um mecânico de voo, quando o equipamento assim o exigir, e de 50% (cinquenta por cento) do número de comissários de voo.
Considerando esses conceitos, a jornada de trabalho do aeronauta é limitada da seguinte forma:
Limites de horas
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Número de pousos
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Tipo de tripulação
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8 horas
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4 pousos
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Tripulação mínima ou simples
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11 horas
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5 pousos
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Tripulação composta
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14 horas
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4 pousos
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Tripulação de revezamento
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7 horas
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Sem limites
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Tripulação de helicópteros
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Caso o empregador opte por aumentar o número de pousos na jornada, a cada pouso acrescido na jornada, deverá ser acrescido 02 hs (duas horas) de descanso.
A jornada realizada durante a madrugada também possui limitações. Segundo a lei, o aeronauta só poderá trabalhar por 02 (duas) madrugadas consecutivas e, no máximo, 04 (quatro) madrugadas por semana.
Ainda, a lei permite que um tripulante seja escalado pela terceira madrugada consecutiva, desde que seja um tripulante extra e com voo de retorno à base contratual.
A jornada de trabalho do aeronauta se encerra 30 minutos após a parada do motor em voos domésticos e 45 minutos após a parada do motor em voos internacionais.
Como são contadas essas horas de voo?
A hora de voo é contada do início do deslocamento, no caso de aeronaves de asa fixa, ou da partida dos motores no caso de aeronaves de asas rotativas, finalizando a contagem com a parada total e corte dos motores (“calço a calço”).
Quantas folgas mensais o aeronauta tem direito?
O aeronauta conta com 10 (dez) folgas obrigatórias por mês, sendo que pelo menos 02 dessas dez folgas, devem compreender sábado e domingo consecutivos.
O que é o Sobreaviso e sua forma de remuneração?
O sobreaviso é o período não inferior a 03hs (três horas) e não excedente a 12hs (doze horas), em que o tripulante permanece à disposição em um local, à escolha do empregador. Nessa situação, o tripulante deve se apresentar em até 90 (noventa) minutos após receber a comunicação da tarefa, no aeroporto ou local indicado pelo empregador.
A lei estabelece o limite máximo de 08 (oito) sobreavisos por mês, que só pode ser aumentado através de cláusula na Convenção Coletiva de Trabalho.
As horas de sobreaviso são pagas pelo empregador como adicional e representam o valor de 1/3 das horas de voo.
O que é o período de Reserva e sua remuneração?
Reserva é o período nunca inferior a 03 (três) horas e não excedente a 06 (seis) horas em que o tripulante permanece, por determinação do empregador, no local de trabalho à sua disposição.
Prevista a reserva por prazo superior a 03 (três) horas, o empregador deverá assegurar aos tripulantes acomodações adequadas para o seu descanso.
As horas de reserva serão pagas nas mesmas bases da hora de voo. Quando acionado em reserva para assumir programação de voo, o tempo de reserva para efeito de remuneração será contabilizado entre início da reserva até o início do voo.
O que diz a Convenção Coletiva de Trabalho da categoria?
Algumas entidades ligadas as empresas aéreas como a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) e o Sindicato das Empresas Aeroviárias (Snea) criticaram a reforma legislativa realizada 2017, afirmando que ela traria mais custos ao mercado, consequentemente impactando no valor dos bilhetes e comprometendo a malha aérea.
De toda forma, além dos direitos previstos na Lei nº 13.475/17, a Convenção Coletiva de Trabalho dos Aeronautas também prevê outros direitos que devem ser observados pelo empregador, como o piso salarial de cada categoria, com reajuste anual, e diárias de alimentação.
Como funciona o pagamento das Diárias de Alimentação?
A convecção coletiva fixa um valor mínimo para diárias de alimentação, compreendidas em café da manhã, almoço e jantar, no valor de R$ 80,01 no território nacional . Essas diárias são devidas sempre que o aeronauta estiver prestando serviço ou à disposição da empresa e devem ser pagas independentemente do serviço de alimentação a bordo da aeronave.
No caso específico da diária relativa ao café da manhã, ela terá o valor de 25% (vinte e cinco por cento) do valor estabelecido nas refeições principais. Porém, se na diária do hotel estiver incluso o café da manhã, essa diária não precisa ser paga.
Como funciona a estabilidade Pré-aposentadoria?
A empresa não poderá demitir o aeronauta que contar com mais de 15 (quinze) anos de empresa e que esteja a 03 (três) anos ou menos de adquirir o direito à aposentadoria por tempo de contribuição.
Porém, essa estabilidade só será válida se o aeronauta comunicar à empresa essa sua condição, perdendo o direito a esta garantia se for demitido por justa causa.
Como funciona o benefício complementar da previdência?
Ao aeronauta que for licenciado pelo INSS até o limite de 180 (cento e oitenta) dias, será concedido pela empresa um auxílio correspondente a 50% (cinquenta por cento) da diferença entre o salário fixo que perceberia em atividade e o valor que passou a receber em razão de seu licenciamento. O auxílio será de 100% (cem por cento) da referida diferença quando o licenciamento decorrer de acidente do trabalho.
Essa regra não se aplica aos aeronautas que já recebem o benefício através do sistema de previdência privada ou de qualquer outro, devendo apenas ser complementado, quando for o caso, até os limites estabelecidos na cláusula da convenção coletiva.
Como funciona o Adicional de Compensação Orgânica?
Todo aeronauta deverá receber um adicional de 20% (vinte por cento) do valor do seu salário, sob o título de indenização de “Compensação Orgânica” pelo exercício da atividade aérea, sem que isso modifique o valor original da remuneração fixa para qualquer fim.
Entende-se como verba indenizatória paga pelas empresas aéreas em virtude do alto desgaste fisiológico decorrente da pressurização das aeronaves, objetivando compensar os desgastes orgânicos consequentes das variações de altitude, das acelerações, das variações barométricas, dos anos psicossomáticos e da exposição a radiações resultantes do desempenho continuado.
Quais os Direitos da Aeronauta Gestante?
Será garantido o emprego à aeronauta gestante, desde a comprovação de sua gravidez até 180 (cento e oitenta) dias após o parto, devendo a empresa dispensar de voo as aeronautas grávidas e, também, imediatamente, encaminhá-las à Junta Mista da Aeronáutica, para o fim de se habilitarem aos benefícios da Previdência Social, respondendo a empregadora, quando necessário, pela locomoção da aeronauta, pelo respectivo transporte e hospedagem.
Até 06 (seis) meses após o retorno da licença maternidade, a aeronauta, se o desejar, ficará dispensada de reserva, sobreaviso, de programação que obrigariam a pernoite fora da base e jornadas de trabalho programadas que excedam 08 (oito) horas diárias, podendo, ainda, optar por um dos direitos abaixo concedidos:
1) Durante esse período, sua quota mensal de horas de voo será limitada a correspondente à jornada mensal de 54 (cinquenta e quatro) horas por mês; ou
2) Durante esse período, a aeronauta terá direito a uma folga semanal a mais do que as folgas regulamentares previstas para a generalidade dos aeronautas.
A empresa deverá possuir um convênio com as creches distritais, cujo custo ficará por conta das mesmas, garantindo creche para os filhos das empregadas durante 24 (vinte e quatro) meses após o parto, podendo substituir por reembolso creche.
E se a empresa atrasar o pagamento de salário?
Se a empresa atrasar o pagamento do salário em até 30 (trinta) dias, deverá pagar ao aeronauta uma multa do importe de 10% (dez por cento) do salário e multa de 20% (vinte por cento) do salário se ultrapassar 30 (trinta) dias de atraso.
E se a empresa descumprir alguma Cláusula da Convenção Coletiva do Aeronauta?
Se a empresa descumprir qualquer cláusula da convenção coletiva de trabalho pagará multa no valor de R$ 115,97 (cento e quinze reais e noventa e sete centavos), em favor do aeronauta prejudicado.
A Convenção Coletiva traz ainda outros temas que regulamentam os direitos trabalhistas dos aeronautas. Por isso vale a pena conferir o seu conteúdo disponível no site do Sindicato Nacional dos Aeronautas: https://www.aeronautas.org.br/cct-aviacao-regular.html
Em quais situações o aeronauta tem direito ao Adicional de Insalubridade ou Periculosidade?
Ambientes insalubres são aqueles em que o trabalhador fica exposto a agentes que causam danos à saúde paulatinamente, como produtos químicos, fumaça e ruídos.
Algumas empresas alegam que o uso de EPI (Equipamento de Proteção Individual) evita que a saúde do profissional seja prejudicada, mas caso comprovado que o EPI não era suficiente para eliminar o dano, o trabalhador tem direito ao recebimento do adicional de insalubridade de 10%, 20% ou 40% do valor equivalente ao salário mínimo.
Ambiente periculoso é aquele em que o trabalhador está exposto ao risco de morte. É o caso, por exemplo, de lugares sujeitos a explosões ou descargas elétricas. Nessas situações, o recebimento do adicional de periculosidade é um direito, que representa aumento de 30% em cima do valor do salário do aeronauta.
De acordo com a Súmula n.º 447 do TST, o adicional de periculosidade, como regra, não é devido aos tripulantes e demais empregados em serviços auxiliares de transporte aéreo que, no momento do abastecimento da aeronave, permanecem a bordo.
Porém, já existe julgados que concederam o adicional de periculosidade quando existe o efetivo acompanhamento do abastecimento da aeronave. Sabe-se que, como prática de segurança, muitos pilotos acompanham o abastecimento da aeronave, uma situação que expõe esse profissional ao risco de explosão. Por isso, pilotos e comandantes teriam direito a pleitear o adicional na justiça trabalhista, graças a este precedente aberto na jurisprudência.
Por fim, ressalta-se que a Lei em comento só se aplica em sua íntegra a quem atua no serviço privado. Aeronautas do Setor Público devem contar ainda com um regime jurídico próprio conforme a categoria.
Importante saber que a o espírito do legislador e agencia fiscalizadora ao editar as normas para o setor esteve focado no melhor gerenciamento dos riscos de fadiga humana e, consequentemente, na segurança de voo.
Para o aeronauta que tiver desrespeitados os seus direitos pela Companhia Aérea, vale a pena buscar um advogado especialista para pleitear seus direitos, seja através de negociação amigável com a empresa ou, em último caso, perante a Justiça.
Se houve algum tipo de violação ao pagamento do referido adicional, não deixe de consulta uma assessoria jurídica especializada.
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